Não-Lugares, a caminho de Carcassonne

26.12.08 _ Dia 2

Saída de Burgos, direcção a Vitória-Gastez e desta para Irun,...um caminho de auto-estrada que não gostamos de fazer, o trânsito é muito, os caminhons muitos e pesados, normalmente chove e a visibilidade é muito deficiente,...um lugar a evitar ou um não-lugar...

Os não-lugares é um conceito proposto por Marc Augé, antropólogo francês, para designar um espaço de passagem incapaz de dar forma a qualquer tipo de identidade.

Para fundamentar este novo conceito, Marc Augé começa por discutir a capacidade da antropologia, tal como a conhecemos, em analisar e interpretar a sociedade actual.

Decide por isso construir a noção de sobremodernidade que se diferencia da pósmodernidade, na medida em que esta última é «concebida como a adição arbitrária de traços aleatórios» ao passo que a sobremodernidade releva de 3 figuras de excesso:

a) excesso de tempo por efeito da aceleração da história em que tudo se tornou acontecimento e que, por haver tantos acontecimentos, já nada é acontecimento. Por isso, organizar o mundo a partir da categoria tempo deixou de fazer sentido.

b) Excesso de espaço por efeito da mobilidade de pessoas, bens, informações, imagens, o planeta se ter encolhido, e sentirmo-nos implicados em tudo, mesmo nos lugares mais remotos.

c) Excesso de individualismo por efeito do enfraquecimento das referências colectivas, e porque as singularidades ( dos objectos, grupos) organizam cada vez mais a nossa relação com o mundo.

Auge define o lugar, enquanto espaço antropológico, como um espaço identitário, relacional e histórico.O não-lugar será então um lugar que não é relacional, não é identitário e não histórico.

As auto-estradas, os aeroportos, as grande superfícies são exemplos de não-lugares.



Mas também «campos de refugiados, campos de trânsito, grandes espaços antes concebidos para a promoção do mundo operário e tornados insensivelmente o espaço residual onde se encontram os sem abrigo e sem emprego de origens diversas: por toda aparte espaços inqualificáveis, em termos de lugar, acolhem, em princípio provisoriamente, aqueles que as necessidades do emprego, do desemprego, da miséria, da guerra ou da intolerância constrangem à expatriação à urbanização do pobre ou ao encarceramento»


( Marc Auge, in Le Sens des Autres,1994, pgs 169Os não-lugares são povoados de «viajantes» ou «passeantes» em trânsito.


São, 23.00Horas, acabámos de jantar numa área de serviço da auto-route Irun-Toulouse,...há pouca gente e pouco trânsito, um não-lugar sossegado, carros de matrícula francesa, poucos, com viajantes, jovens casais,afinal portugueses, a caminho de um não-lugar,...acelerados auto-route abaixo...

Cem kilómetros mais à frente, nova área se serviço,...um esticar de pernas, um cafézinho, um par de ténis "de luxo" por 15 €, os primeiros perfumes Lavande e outros viajantes, mais, muitos mais viajantes, portugueses de matrícula francesa,... como nós sairam de Portugal ontem , dia de Natal, mais, muitos mais viajantes de não-lugar, a caminho de um não-lugar...


Viajam, solitários, nesses espaços de ninguém. São não-lugares livres de identidades.No fundo, os não-lugares revelam uma nova forma de viver o mundo. Mas o retorno ao lugar pode ser o sonho dos que frequentam os não-lugares.



Triângulámos Toulouse e encurtamos 40 km ao destino : Carcassonne - onde entramos por volta das 03Horas da madrugada, a admirar as boas vindas da fantástica iluminação de Natal, como a dizer-nos que afinal, o lugar, é onde o Homem quiser... é onde sobrevive.

Ler:Augé,Marc (1994) Não-lugares: introdução a uma antropologia da modernidade, Lisboa, Bertrand editora


A pernoita na AS de Carcassonne, paredes-meias com a cidadela histórica, que visitaremos amanhã.

A Caminho da Côte D´Azur

25.12.08 _ Dia 1


Vai ser a prova de fogo à socialização autocaravanista por terras de França. Tanto temor, regras e dificuldades se anunciam por esses fóruns em português,...que saio pouco tranquilo!
O Mónaco, por oposição à Bretanha, a ver vamos.

As poucas AS´s e os poucos campings (muitas vezes, longe do objectivo) referenciados na base de dados da campingcar française também não ajudam nada a tranquilizar. Seja como fôr,...existirão sempre muitos hotéis, embora não me agrade nunca a ideia de a partir do meio-dia,repentinamente me trasnformar em persona não grata, ou simpáticamente pagar mais uma noite...outras experiencias.


Saímos então de casa, por volta das 16.00horas, rumo a Coimbra e à Campilusa, onde trocamos a botija de gás, reabastecemos de wc-químico e ali mesmo ao lado compramos a habitual dose de leitão à bairrada que nos há-de servir o jantar (e mais se verá), IP_3 acima e na área de serviço do IP_5 na Guarda, já passava das 22.00horas, sair o jantar quentinho e estaladiço acompanhado de um espumante tinto bruto das caves do mesmo nome,...fazia frio, um frio gostoso de ar puro do alto, onde gosto sempre de fazer uma caminhada de desentorpecimento das pernas e do nariz...


Noite limpida, céu estrelado e boa disposição,...até à fronteira é um saltinho. Pouco depois de Vilar Formoso Pé_de_Vento resolve que é chegada a hora de se estender ao comprido entre lençóis e descansar do trabalho das festividades natalícias, que a família é curta e pouco contributiva mas "exigente".


E lá fui eu, com uma noite e estrada convidativa, mais 400 km ao toque de rádio e com o barulho das luzes, numa marcha constante entre os 120 e 140 km/h até já depois de Burgos, na primeira área de serviço da autovia Basca ter encontrado, à direita, o poiso certo para me entregar ao descanso da noite, agora que a digestão estava feita e já não havia gasóleo para mais...eram cerca de 03 horas da madrugada.


E a noite soberba e fria!


Faço o primeiro ensaio geral da chaufagem, leio o livro de instruções e pouco depois, estou verdadeiramente encantado a dormir o sono dos justos.



De manhã,...em boa verdade já passava do meio-dia,.. a primeira grande surpresa da viajem: Travel Van está coberta de gelo e neve,...e que quentinho que é lá dentro,nem se dá por nada!



Hoje, é fazer caminho até Carcassone...

Castelo de Vide,em perspectiva domingueira

FDS_04.10.08 - Dia_3


É tempo de iniciar o caminho de regresso a casa, são passados três dias em ambiente tranquilo e repousante, Portagem, Marvão, Castelo de Vide e o Parque Natural da Serra de São Mamede, são lugares aparentemente dourados e com tudo para serem felizes os industriais de turismo com investimentos na região, o que verdadeiramente parece não acontecer. Apesar de serem lugares de eleição para quem faz das férias, uma oportunidade de descanso, que obviamente, como as demais necessidades, é preciso senti-la!
Diz-se que trabalhamos pouco e mal , o que em minha opinião, é muito consistente com a energia e vitalidade demonstrada e desbaratada pela esmagadora maioria de nós ( e não só), entre a agitação das multidões que sempre se norteiam a sul, nesses poucos dias do ano com direito ao repouso.





Castelo de Vide é uma vila com uma ambiência algo estranha no contexto da arquitectura alentejana, é a expressão mais ou menos dissimulada, da presença de uma cultura diferente, com uma economia mais mercantil, menos ligada á terra, menos agrícola. O estabelecimento da Inquisição e a expulsão dos judeus de Espanha por Fernando e Isabel, contribuíram para o crescimento da judiaria de Castelo de Vide, que mantém na arquitectura e toponímia das suas ruas o testemunho dessa presença, algo que a coloca fora do traço identitário que se respira nas vilas alentejanas, e lhe empresta um ar diferente, misterioso, de uma história de vicissitudes quase imperceptível.









Portas,mais portas, que fecham e se fecham ao exterior,...






,janelas, só em pisos superiores...






A sugestiva "Sombrinha"






Castelo de Vide



Uma janela de liberdade






E a liberdade de estacionar, responsávelmente, como se observa sem qualquer razão para uma discriminação negativa, nem necessidade de "falso-privilégio" de estacionamento em lugar exclusivo para autocaravana.

Fim-de-semana de três dias, no lugar certo,com as condições ideais, são quanto basta para recuperar energias e ficar preparado para mais uma dura temporada de trabalho intenso,que se aproxima até ao fim de ano, época com destino marcado para a Côte d´azur, em autocaravana.